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A cidade que decidiu romper o ciclo das ruas

Por Assessoria de imprensa

Publicado em 04/12/2025
A cidade que decidiu romper o ciclo das ruas

Em Florianópolis, parceria entre empresas, prefeitura e terceiro setor incentiva a reinserção social de pessoas em situação de rua e já registra 16 contratações em dois meses.

A frase que marca a trajetória de Vanderlei Santiago, 52, não costuma aparecer em diagnósticos oficiais, mas expressa uma realidade frequente entre pessoas em situação de vulnerabilidade. “A rua é mais viciante do que as drogas”, diz ele, que viveu mais de dez anos entre calçadas, terminais e marquises de Florianópolis, capital de Santa Catarina. “Você tem liberdade total pra fazer o que quiser. Não deve satisfação. Não decepciona ninguém… Mas o preço é alto demais.”

A história de Vanderlei ajuda a iluminar um processo que tem crescido no Brasil: a dificuldade de romper com a rua mesmo quando há tentativas de retorno. Em outubro de 2025, 358 mil brasileiros viviam em situação de vulnerabilidade social extrema, muitos deles presos a ciclos que envolvem rupturas familiares, dependência química, perda de vínculos e barreiras de acesso ao mercado de trabalho. Os dados do OBPopRua/UFMG indicam desafios estruturais e mostram a necessidade de respostas articuladas entre diferentes setores.

Em Florianópolis,uma articulação recente busca enfrentar esse ponto do processo de reinserção. Criada há dois meses, a Aliança por Floripa reúne organizações da sociedade civil e o Poder Público para empregar pessoas em situação de rua. Tudo com acompanhamento técnico, suporte social e uma rede que oferece acompanhamento contínuo.

Uma resposta construída a muitas mãos

A iniciativa foi articulada pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Associação Empresarial (Acif) e pelo Conselho Comunitário do Centro (CONSEG). Os primeiros resultados mostram avanços no processo: 16 trabalhadores já foram contratados, sendo 14 zeladores, que atuam na limpeza e em reparos de pontos públicos da cidade, e dois educadores. 

Eles são monitorados por equipes do município, que atuam desde a identificação do perfil até a garantia de suporte cotidiano nos novos vínculos de trabalho. “Os contratados recebem salário-base de R$2.200, além de todos os direitos trabalhistas previstos, reforçando que a proposta não é assistencialismo, mas inclusão produtiva com condições reais de permanência”, explica a coordenação do projeto.

Vanderlei é uma das faces dessa transformação. Depois de anos rejeitando convites de acolhimento, cedeu às abordagens do programa municipal Rumo Certo, passou pela Passarela da Cidadania, trabalhou como voluntário, sofreu recaídas e retornou às ruas. Hoje, empregado pela Aliança, fala com esperança pela primeira vez em muito tempo. Aguarda a dentadura que conseguiu por meio do projeto: “quero voltar a sorrir com dentes e propósito”, afirma, emocionado ao ver que o espaço onde dormia agora gera oportunidades. “Eu vi aquele lugar se transformar. Participei como um grãozinho de tudo isso. Hoje eu quero minha casa, minha vida de volta. E, pela primeira vez, sinto que é possível.”

Outra trajetória que revela mostra a complexidade do processo e os efeitos iniciais da iniciativa é a de Cleiton Cardoso Dandoline, 34, natural de Turvo (SC). Empreendedor de higienização de estofados e piscinas, chegou a Florianópolis há pouco mais de um ano com equipamentos, carro próprio e planos de expandir o negócio. A combinação de burocracias, vulnerabilidade e dependência química, porém, fez tudo ruir rapidamente. Teve o carro guinchado, os materiais roubados e acabou por dormir em terminais urbanos e debaixo de pontes. “Eu não tenho vergonha de dizer”, afirma. “Minha vida virou um livro aberto de fracasso atrás de fracasso.”

A virada começou há cerca de 60 dias, quando conheceu o Rumo Certo e pediu uma oportunidade. No abrigo, voltou a dormir com segurança, refez a rotina, encontrou na leitura um refúgio e desenvolveu laços com profissionais que o acompanharam no reencontro com a estabilidade emocional. Pouco depois, foi encaminhado para a Aliança e contratado como zelador. “O trabalho mudou tudo. Antes eu era invisível. As pessoas passavam e não me viam. Hoje recebo bom dia, boa tarde. Mudou a energia do ambiente e mudou a minha.”

Cleiton agora se prepara para retomar os estudos e planeja guardar dinheiro para recomprar os equipamentos de trabalho. “Meu sonho é reabrir meu negócio. A Aliança me deu a chance de me reconectar com a sociedade e comigo mesmo.”

Novas abordagens, novos resultados

A iniciativa funciona por meio da articulação entre diferentes setores, que normalmente não atuam juntos: empresas oferecendo oportunidades, Poder Público garantindo estrutura e organizações sociais conduzindo o acompanhamento técnico. “Ao trocarmos a moeda da caridade pela moeda da oportunidade, transformamos um ciclo de dependência em um ciclo de autonomia e pertencimento. A articulação da Aliança, encabeçada pelas entidades empresariais e com o apoio essencial da Prefeitura, reforça a compreensão de que os problemas da cidade são responsabilidade de todos nós”, afirma Eduardo Koerich, presidente da CDL Florianópolis. 

O projeto é mantido por empresas parceiras e doações, convidando a população a não dar esmolas e sim a destinar esse valor à iniciativa, que direciona recursos para contratação, remuneração e acompanhamento dos trabalhadores. As contribuições e mais informações podem ser conferidas no site da Aliança (www.aliancaporfloripa.com.br). 

Ao mesmo tempo, a articulação aposta na ideia de que inclusão produtiva não é caridade, mas política pública baseada em evidências. “Este é um convite para que as empresas invistam no capital humano da nossa cidade. Ao contratar uma pessoa que estava em situação de rua, a empresa não apenas ganha um profissional comprometido, como também contribui para a segurança e para o desenvolvimento”, explica o presidente da Acif, Célio Bernardi. Para ele, isso significa oferecer emprego, mas também apoio psicossocial, mediação de conflitos, monitoramento e formação continuada. “É preciso sustentar o processo para que essas pessoas consigam manter seus empregos, projetar o futuro e reconstruir sua autonomia.”

Além do emprego formal, os participantes passam por formações semanais às sextas-feiras, realizadas pelas equipes técnicas, que trabalham habilidades profissionais, convivência e planejamento de futuro.

A trajetória de Cleiton sintetiza esse esforço. Perguntado sobre o que espera daqui para frente, ele responde sem hesitar: “Quero voltar a ter uma casa. Quero sorrir. Quero viver de verdade.” A força desse desejo e o caminho coletivo que o sustenta mostram por que a experiência de Florianópolis começa a chamar atenção de outras cidades do país. E por que, para quem viveu tanto tempo na rua, a primeira oportunidade pode ser o ponto de virada que faltava.

Fotos disponíveis em https://drive.google.com/drive/folders/1Z02BuEsM46RW3rTc3JYBKWAmPC7GfsIU?usp=sharing 

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