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Igualdade Salarial: o que a nova lei exige das empresas – e o ônus da sua implementação

Por Allexsandre Gerent

Publicado em 30/05/2025
Igualdade Salarial: o que a nova lei exige das empresas – e o ônus da sua implementação

A equidade de gênero nas relações de trabalho e a promoção de ambientes corporativos inclusivos deixaram de ser apenas diretrizes éticas e reputacionais para se tornarem obrigações legais, especialmente após a promulgação da Lei nº 14.611/2023. Trata-se de um novo marco regulatório que impõe às empresas brasileiras — particularmente aquelas com mais de 100 empregados — um conjunto de deveres substanciais voltados à promoção da igualdade salarial entre homens e mulheres. Ainda que socialmente desejável e compatível com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, a implementação prática da nova legislação acarreta um expressivo aumento da carga regulatória e burocrática, cujo ônus recai exclusivamente sobre os empregadores.

Com impacto direto nos setores de comércio e serviços — que empregam milhões de trabalhadores em todo o território nacional e constituem uma espinha dorsal da economia brasileira —, a nova legislação estabelece mecanismos concretos de combate à discriminação salarial, exigindo, para além de boas práticas, a produção, sistematização e divulgação semestral de relatórios de transparência salarial e critérios remuneratórios.

Esses relatórios devem conter informações detalhadas que permitam a análise objetiva da remuneração média entre homens e mulheres em cargos equivalentes, bem como dados sobre proporção de ocupantes por sexo, cor, raça e nacionalidade. Exige-se, portanto, que o empresário transforme seu banco de dados interno em instrumento de controle estatal, com potencial para gerar sanções administrativas, ações civis públicas e demandas judiciais individuais, caso o relatório aponte disparidades que não estejam formalmente justificadas — ou mesmo em caso de mera omissão na entrega do documento.

A Lei nº 14.611/2023 alterou diretamente a CLT para prever que, uma vez identificadas desigualdades remuneratórias injustificadas, a empresa deverá apresentar plano de ação corretivo, com metas e prazos bem definidos. Isso implica a necessidade de alocação de recursos para o desenvolvimento de políticas internas, contratação de consultorias especializadas, capacitação de gestores e revisão profunda das estruturas de cargos, salários e carreiras. Em outras palavras, o empresário passa a ser corresponsável por uma reengenharia organizacional mandatória, sob pena de sofrer ações fiscais, autuações e litígios de alto custo reputacional e financeiro.

Sob o ponto de vista do compliance trabalhista, é inegável que estamos diante de um novo paradigma de governança corporativa. As empresas precisarão implantar processos contínuos de auditoria interna, revisão de políticas salariais, criação de métricas objetivas de progressão funcional e treinamentos voltados à mitigação de vieses inconscientes, especialmente em processos seletivos e promoções. No entanto, pouco ou nada se fala sobre o custo operacional e jurídico para empresas de pequeno e médio porte, que muitas vezes sequer contam com uma estrutura de recursos humanos qualificada para lidar com tamanha complexidade normativa.

A simples constatação de disparidades salariais sem documentação que fundamente as diferenças pode ser interpretada como conduta discriminatória, mesmo que haja justificativas de fato — como produtividade, qualificação ou tempo de casa — não formalizadas adequadamente em políticas escritas. Em um ambiente jurídico já hostil ao empreendedorismo, essa nova camada regulatória tende a elevar o risco de ações judiciais individuais por equiparação salarial cumuladas com danos morais, além de ações coletivas por dano moral coletivo promovidas por sindicatos ou pelo Ministério Público do Trabalho.

Nesse cenário, é fundamental que os empresários adotem uma postura estratégica. Programas de equidade salarial e diversidade devem ser concebidos não apenas como ferramentas de adequação legal, mas como investimento institucional. A revisão dos planos de cargos e salários deve ser conduzida com foco em parâmetros objetivos, como desempenho técnico mensurado por indicadores claros, tempo de serviço, formação acadêmica e resultados entregues.

É igualmente recomendável que os processos de seleção, avaliação e promoção sejam revistos sob a ótica da diversidade e da mitigação de discriminações estruturais, com a formalização de critérios e documentação de decisões gerenciais. A criação de políticas internas de inclusão, canais de denúncia e mecanismos de monitoramento autônomo deve ser tratada como medida de contenção de riscos, e não como mera formalidade.

Por outro lado, não se pode ignorar o crescente movimento de delegação estatal de responsabilidades sociais às empresas, sem a devida contrapartida em desoneração tributária, apoio técnico ou subsídios. Os empresários já convivem com um emaranhado de obrigações fiscais, trabalhistas e previdenciárias. Agora, somam-se exigências de natureza sociopolítica, que embora nobres em seus objetivos, são operacionalizadas à custa de tempo, recursos humanos e investimentos privados, em um contexto macroeconômico de elevada insegurança jurídica.

A negligência em atender essas novas obrigações pode gerar consequências severas — jurídicas, reputacionais e econômicas. Em tempos de intensa fiscalização, vigilância social e responsabilização pública por parte de consumidores, investidores e órgãos reguladores, a adequação à Lei nº 14.611/2023 é mandatória. Ainda assim, é legítimo o questionamento: até que ponto o empresariado conseguirá absorver sozinho o custo da transformação social que deveria ser compartilhada com o Estado?

Empresas que adotam uma postura proativa tendem a colher bons frutos: atraem talentos, reduzem passivos trabalhistas, fortalecem sua marca institucional e aumentam sua produtividade. Mas é fundamental que a classe empresarial seja ouvida nos fóruns de formulação de políticas públicas e que se busque equilíbrio entre justiça social e viabilidade econômica.

O setor de comércio e serviços, com sua estrutura predominantemente formada por empresas de pequeno e médio porte, precisa de soluções realistas, orientações claras e, sobretudo, segurança jurídica. A legislação está posta. A escolha estratégica agora é do empresário: adaptar-se, com senso crítico e responsabilidade, ao novo paradigma ou correr riscos que se tornam, progressivamente, inaceitáveis no mundo dos negócios contemporâneo.

Allexsandre Gerent é conselheiro da CDL Florianópolis, advogado (OAB/SC 11.217), sócio fundador da Gerent Advocacia Trabalhista, professor, pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Tributário, mestre em Ciências Políticas.

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